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Por Duilio Monroy, chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Habitação.

Além de inepto em temas de diplomacia, o candidato Serra escancara de vez seu perfil autoritário e reproduz a déspota tradição norte-americana que acha mais prático, mais barato, um direito divino, intervir nesses povos de “quinta categoria” para fazer cumprir as determinações do império.

Sempre foi assim, e não apenas em questões ligadas à orientação ideológica dos governos, mas num repertório maior de temas como controle da natalidade, produção agrícola, utilização de recursos naturais, etc.

O que o Serra deve querer é que as tropas brasileiras se instalem nos Yungas ou no Chapare boliviano para controlar a quantidade de coca que os camponeses bolivianos produzem; ou seja, algo similar ao que os militares estadunidenses tratam de fazer em território colombiano (só para citar seu mais recente movimento), apesar de toda a contrariedade dos povos do continente.

Aliás, os americanos já fizeram isso em território boliviano em outras circunstâncias, quando os governos desse país em troca de esmolas e renunciando à dignidade nacional, autorizaram a presença de tropas e da DEA (Drug Enforcement Administration) para um suposto controle da produção da folha de coca no país.

O governo de Evo Morales acabou com qualquer tipo de ingerência dos EUA na Bolívia, não só por mera questão de soberania, mas pela constatação de que esses elementos da suposta cooperação, na realidade estavam envolvidos em planes de derrocada do próprio governo, incitando e financiando movimentos separatistas, especialmente em Santa Cruz, a cidade sede da oligarquia nacional.

Serra deve compartilhar da visão prepotente da lei do menor esforço, que entende ser mais prático destruir os campos de produção dos vales bolivianos, do que realizar campanhas que efetivamente desestruturem o tráfico e desestimulem o consumo de cocaína e crack.

Para a ira dele e de toda a diplomacia tucana, no entanto, a estratégia do governo do Presidente Lula é outra: é a da construção, da negociação, da busca de soluções. E ela é vitoriosa não só do ponto de vista regional, mas mundial e sem prejuízo para a economia brasileira; muito pelo contrário. Não fossem as prioridades internas e as alianças internacionais realizadas pelo nosso governo, o Brasil não teria tido o comportamento econômico que teve nessa crise.

Por outro lado, o Presidente Lula e mais recentemente a Ministra Dilma já declararam que o Brasil não pode ser um grande país rodeado de vizinhos pobres. Essa é uma opção diplomática.

É a diplomacia que negocia com a Bolívia e com o Paraguai os temas energéticos com respeito à soberania desses povos e com a solidariedade que um estado mais desenvolvido pode ter com outros menores.

É a diplomacia que é respeitada mundialmente e que é demandada para resolver problemas complicados, inclusive pelos nossos vizinhos atacados pelo candidato Serra. Quantas vezes os Ministros Amorim e Marco Aurélio não tiveram que mediar graves questões na própria Bolívia?

O consumo de crack e cocaína é grave e preocupa a todos nós. No entanto, não é da maneira rudimentar, autoritária e imperial que o candidato Serra trata a questão que se chegará a qualquer lugar.

Os camponeses produtores da folha de coca – de quem Evo Morales já foi seu líder sindical – e outros setores da Bolívia defendem a tese de que a política da sua produção deve ser discutida de uma forma mais abrangente e na égide da soberania.

A primeira variável da discussão é a seguinte: a Bolívia não produz os produtos químicos necessários para a transformação da folha de coca em pasta nem desta na sua forma cristalizada, ou seja: a simples produção da folha – cujo uso secular é ritualístico, alimentar e farmacêutico – não garante a produção nem do crack nem da cocaína.

Segundo: o valor comercial de determinada área de produção de coca é infinitamente superior à de outra variedade vegetal adaptável ao solo dos vales bolivianos. Conseqüentemente, se eles não são os responsáveis pela produção de drogas, por qual motivo deveriam substituir suas plantações por outras menos rentáveis.

Esta discussão já suscitou a formulação de teses – uma delas denominada “Coca por desenvolvimento” – de que somente poderia haver substituição de plantações com a respectiva compensação pelas perdas de produtividade.

Enfim, o assunto é complicado, sem nos esquecermos ainda de um aspecto importante, tão complexo quanto autoritário e imperialista, que está no cerne do aumento do consumo da folha e de sua produção.

Restrita ao uso ritualístico, outro império – o dos espanhóis – incentivou o seu uso para que os nativos dessa mesma Bolívia pudessem trabalhar até mais de 16 horas diárias nas minas, retirando das suas entranhas o ouro e a prata que ajudaram a construir a grandeza da Europa. Mas essa é outra história…

Por falar em outra história: a oligarquia separatista boliviana deve ter gostado das declarações do candidato tucano. Quem sabe, depois de ter fracassado no seu afã de dividir a Bolívia, não queira trocar o nome de Santa Cruz da Serra por Santa Cruz do Serra?